Para que um determinado transtorno mental se desenvolva, é necessária a combinação de uma predisposição genética com determinados eventos do meio ambiente. Esses eventos, que podem ocorrer desde a gestação até a idade adulta, podem ser de origem psicológica (ex: perdas significativas, traumas, dificuldades importantes de relacionamento, bullying, etc.) ou não-psicológica (ex: doenças físicas).
Também no caso dos problemas com o uso das tecnologias, um número muito grande de fatores (genéticos e ambientais) pode influenciar esse comportamento, e a busca por esses fatores pode auxiliar bastante a entendermos melhor esses problemas, tratá-los de maneira mais adequada e, possivelmente, até evitá-los.
Aqui cabe uma ressalva importante, a mesma que fazemos em outras partes deste site: por se tratar de um fenômeno relativamente recente e pelo fato de as tecnologias evoluírem de maneira muito rápida e fazerem cada vez mais parte das nossas vidas, é fundamental que sejamos bastante criteriosos para não considerar indiscriminadamente como problema algo que pode ser, cada vez mais, um estilo de vida.
Abaixo apresentamos algumas características já estudadas do ponto de vista científico e que mostraram alguma relação com o desenvolvimento de dependência de internet/tecnologias:
Aspectos genéticos
As raras pesquisas genéticas até o presente momento demonstram que alguns genes que estão relacionados a dependências químicas e comportamentais podem também estar presentes em indivíduos com dependência de tecnologia, talvez aumentando a predisposição das pessoas a desenvolver esse transtorno. Esses estudos falam a favor de que estes transtornos podem ter uma base genética comum, mas ainda são preliminares.
A adolescência normal como fator de risco
Os jovens de hoje já nasceram num mundo inundado pelas novas tecnologias e têm nelas um importante instrumento de socialização. A internet proporciona ao adolescente um espaço de experimentação onde ele se sente mais à vontade para pôr em prática as principais tarefas desta fase da sua vida. A desinibição (relacionada ao menor contato cara a cara) e o maior controle do que se mostra aos outros propiciam um ambiente muito menos angustiante ao jovem que se debate com a construção da própria identidade, o início da experimentação sexual e a independência dos pais (facilitada pela participação cada vez mais intensa no grupo de amigos).
Quando estas (e outras) dificuldades normais da adolescência se encontram intensificadas por qualquer motivo, alguns jovens podem acabar utilizando a internet não mais como um facilitador, por exemplo, do contato íntimo com outras pessoas, mas sim como a principal (e às vezes única) maneira de fazer isso.
Evitação dos problemas/escapismo
Independente do momento de vida em que a pessoa se encontra, todos temos sempre inúmeros problemas e desafios a resolver. Por natureza, o ser humano não é muito afeito ao sofrimento e tende a buscar uma maneira menos dolorosa de enfrentar suas dificuldades (isso não significa que existam saídas simples e indolores para essas situações, e de um modo ou de outro nos deparamos com a necessidade de encarar esses conflitos). Entretanto, quando esses conflitos geram intensa angústia e o sujeito não se percebe capaz de lidar com isso, pode-se lançar mão (geralmente sem se dar conta) de estratégias de evitação, isto é, de tentar desviar ou “escapar” do problema. Nessas horas, os inúmeros e incríveis serviços disponíveis na internet (jogos de intensa imersão, infinitos vídeos e as redes sociais) podem acabar servindo como um ambiente em que o jovem consegue ocupar sua mente de modo a afastar do seu pensamento as coisas que estavam gerando intensa ansiedade.
Na grande maioria dos estudos, o escapismo é apontado como uma das características mais associadas à dependência de jogos eletrônicos e redes sociais.
Timidez excessiva, depressão e outros problemas psiquiátricos
Na grande maioria dos casos em que uma pessoa apresenta dependência de tecnologia, é possível identificar a presença concomitante de outro transtorno mental. Tecnicamente chama-se isso de comorbidade, e as situações mais comumente associadas são Ansiedade Social (também conhecida como fobia social ou timidez excessiva), Depressão e o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Inicialmente se pensava no uso intenso da internet como uma maneira de aliviar os sintomas desagradáveis desses transtornos, o que de fato acontece e está bem comprovado cientificamente. Além dessa hipótese, estudos mais recentes têm apontado também para a possibilidade de que o uso intenso da internet pode acabar levando o indivíduo a uma série de prejuízos (fracasso escolar ou no trabalho, dificuldades de relacionamento com outras pessoas, isolamento social, aumento de peso em decorrência do sedentarismo) e com isso facilitar o desenvolvimento de problemas como depressão, ansiedade e agressividade.
Aspectos familiares
Alguns estudos apontam que quanto maior o envolvimento dos pais na relação dos filhos com as tecnologias, menores as chances de eles terem problemas em decorrência desse uso. Na visão do nosso grupo, isso não significa que os pais devem proibir ou mesmo colocar filtros no computador dos filhos para saber o que eles estão fazendo na internet. Quanto mais os pais conversarem de modo genuíno e interessado com os filhos sobre essas questões, mais confiável será essa relação, e maior será a segurança no uso das tecnologias.
Porque os jogos podem viciar?
Os jogos hoje em dia são desenvolvidos com base em pesquisas sobre os desejos e as necessidades do ser humano. A partir daí são vários os fatores que tornam os jogos eletrônicos extremamente envolventes e que fazem com que seu uso intenso esteja associado com marcado prejuízo em diversas áreas da vida de alguns jogadores.
– Possuem uma narrativa bastante complexa, que muitas vezes permite ao jogador bastante liberdade para criar seu personagem ou definir o que fazer com ele, mas que, ao mesmo tempo, proporciona muito mais definições e segurança do que normalmente temos no nosso dia-a-dia. O objetivo é propiciar um alto grau de imersão na realidade do jogo.
– Proporcionam um ambiente seguro o suficiente para que o jogador se sinta confortável para experimentar diversas situações, mantendo a frustração num nível idealmente baixo.
– Baseiam-se num sistema de gratificações bastante elaborado que tem como objetivo manter a continuidade do jogo. Valorizam-se praticamente todas as atitudes e conquistas do jogador. E essa valorização leva em consideração o nível de experiência desse jogador naquele jogo específico (pensando que jogadores mais experientes não têm os mesmos desejos e objetivos que quem está começando). Mas isso não facilita muito a vida do jogador: muitos jogos, para que se consiga acompanhar minimamente os outros, ou mesmo chegar a ter algum sucesso, exigem que se tenha muita dedicação (geralmente mais relacionada ao número de horas de jogo do que à habilidade do jogador).
– A conexão com outros jogadores proporcionada pela internet permite que se recrie nos jogos multiplayer quase a mesma gama de fenômenos que existem nas relações cara a cara, sejam elas apenas entre duas pessoas ou grupais. E, num ambiente relativamente mais “seguro” para se relacionar com os pares, é possível demonstrar suas habilidades e capacidades, ser reconhecido e valorizado pelos amigos. Ao mesmo tempo em que se passa a ter mais destaque dentro do grupo, também se tem mais responsabilidade com os companheiros, ficando muito mais difícil parar de jogar para fazer outras atividades (estudar, dormir, jantar com a família) para não deixar os outros na mão.